A abrir esta edição do JazzLAC, teremos Allen Toussaint, que é um dos músicos mais famosos e populares de New Orleans, com um passado de produtor, compositor, arranjador e também pianista, na área do R&B.
Com 71 anos de idade, iniciou-se no Jazz com “Bright Mississipi”, um disco que homenageia a cidade-berço do Jazz e um dos mais enternecedores editados no ano passado.
Na 2ª parte do nosso programa, uma homenagem serena e lírica e um dos mais belos tributos a John Coltrane pelo trio do pianista Steve Khun e o convidado especial Joe Lovano “Steve Khun Trio com Joe Lovano - Mostrly Coltrane”.
Nas linhas que seguem, recordaremos o drama vivido em New Orleans, em Agosto de 2005, com o furacão Katrina, e forneceremos mais informação sobre esses excelentes músicos que estarão connosco.
New OrleansO Jazz calou-se…debaixo da água.
29 de Agosto de 2005.
O furacão Katrina humilhou a América. E mostrou ao mundo o outro lado dos States, devastando não apenas os Estados do Mississipi, Alabama e Louisiana e particularmente aquela que é a mais mítica cidade do Jazz, mas também a própria imagem dos “States” e o mito da inesgotabilidade dos recursos económicos, tecnológicos e militares.
Uma das cidades mais bonitas do mundo perdeu a voz e mergulhou no silêncio; um silêncio fantasma.
Uma herança musical – património da humanidade – naufragou.
Nawlins como também é conhecida New Orleans ou a Cidade do Crescente ou ainda The Big Easy não é apenas um cenário de horrores. É também o outro lado da América do neoliberalismo sem limites, das sondas espaciais, da capacidade da guerra sem fim em qualquer parte do mundo.
A tragédia que se abateu sobre New Orleans vai demorar a cicatrizar. De repente, e de forma surpreendente, os “donos do mundo” não tinham helicópteros, carros, autocarros, meios e, sobretudo, coordenação para resgatar, socorrer, as dezenas de milhares de negros pobres da cidade, completamente entregues à sua sorte.
Tanto sofrimento, tanta angústia. Fome, abandono, sede, desaparecidos, mortos.
Sem esgotos, sem água nem luz. O caos total. A cidade infestada de cobras, ratos, insectos, fezes, detritos.
A reconstrução de habitações totalmente destruídas pelo furacão poderá nunca ocorrer. E a poluição da bacia do Mississipi das águas do Golfo de México com hidrocarbonetos e metais pesados vai certamente durar mais de uma década.
Só espero – e espero sinceramente – que a fúria do Katrina possa significar uma oportunidade para o relançamento do debate acerca das questões climáticas, do fundamental “Protocolo de Quioto” acerca dos gases que provocam o chamado “efeito de estufa”.
Afinal, não foi só a fúria dos elementos que amarrotou o berço do Jazz. A falta de investimentos no reforço estrutural dos diques, as políticas urbanísticas anti-ambientais que provocaram a destruição de zonas húmidas e do litoral, a extracção abusiva e sistemática de gás e petróleo e a construção desordenada de nós de transportes de vários tipos (rodoviários, ferroviários, marítimos, fluviais), contribuíram e muito para a actual catástrofe que a cidade enfrenta.
A cidade parece ter nascido à volta das notas. Das notas que cresciam nas ruas do bairro de Storyville, por onde deambulou Louis Armstrong (cujo nome baptiza o aeroporto internacional da cidade), onde homens e mulheres santificavam o pecado.
A mistura parecia ser a alma daquela cidade: europeus pobres que, a troco de terra e alojamento, partiram para construírem “La Nouvelle Orleans”; escravos africanos que produziram açúcar e algodão. A cidade já era um grande burgo latino, mesmo antes de os Estados Unidos existirem; o catolicismo francês liberal, os crioulos, os protestantes conservadores anglos – escoceses – irlandeses. O saudável desinteresse latino pelo rigor, os casamentos mistos, a tolerância, o facto de a cidade ser um enorme porto internacional que abrigava e abraçava homens e memórias chegados, sobre as águas, de todas as partes do mundo.
E New Orleans envolvia, seduzia, colava-se ao corpo. E à alma.
A cidade só acordava ao escurecer. E enchia-se de música, de Jazz. Tinha alguns dos melhores restaurantes do mundo. E uma gastronomia (crioula e cajun) – ímpar.
E foi com uma tristeza amazónica que vi a cidade levantar-se do fundo da vida, com água muito acima do queixo, a não ver terra, para murmurar com uma serenidade que não cabe nas palavras:
- Estou tramada, meu irmão. O trompete do Armstrong desapareceu no meio desta confusão. Aquela gente de Washington D.C. esqueceu-se de mim, abandonou-me.
Desde que New Orleans perdeu a voz, só a leitura das descrições lindas “chez Lou Lou” (dama famosa da cidade) que Louis Armstrong revela no seu interessantíssimo “My Life in New Orleans”, o poema de Manuel “New Orleans meu amor” sobre a tragédia da cidade e a audição da “New Orleans Suite” de Duke Ellington, aliviam tanta desolação.
Afinal, afinal... New Orleans, meu amor.
Allen Toussaint é um dos músicos mais famosos e populares de New Orleans, com uma longa carreira de produtor, compositor, arranjadores e também pianista, especialmente na área do R&B. Foi autor de inúmeros êxitos do Rock n’ Roll e produziu, tocou ou trabalhou com Ottis Redding, Rolling Stones, Bob Didley, The Yardbirds, The Who, The Hollies, Elvis Costello, Jerry Garcia, Solomon Burkee, The Band, etc…
Não é, em rigor, um músico de Jazz, mas tendo vivido e sido criado em New Orleans e com uma história pessoal e vivência musical tão intensas, o Jazz não lhe será propriamente estranho.
Com 71 anos, inicia-se no Jazz com “Bright Mississipi”, uma obra que homenageia a cidade de Louis Armstrong. Os temas são todos eles composições de Jazz dos primórdios: St. James Infirmary, Singing’ the Blues, West End Blues, Solitude… são criações ou sucessos que ficaram para sempre de Louis Armstrong, Sidney Bechet, Jelly Roll Morton, King Olliver, Duke Ellington.
Bright Mississipi, que dá título ao disco, composição de Thelonius Monk, é a única excepção.
Quem ainda duvida da sobrevivência dos velhos standards do passado tem aqui uma bela e poética resposta, pois Bright Mississipi é um dos discos mais enternecedores de 2009.
Allen Toussaint reúne-se com cúmplices de luxo: Don Byron (clarinete), o trompetista de New Orleans, que já tocou em Luanda, Nicholas Payton e Marc Ribot, na guitarra. David Piltch e Jay Bellrose, respectivamente baixo e percussões, completam o quinteto. Há ainda a participação num tema de Brad Mehldau e Joshua Redman (que Luanda também já conhece).
Esta música tocada por quem ama os Blues será servida na primeira meia hora do Jazz Lac de 15 de Fevereiro. Depois haverá uma homenagem ao saxofonista John Coltrane ( 1926- 1967).
Steve Kuhn Trio com Joe Lovano: Mostly Coltrane.
Steve Khun (piano), David Finck (contrabaixo), Joe Baron (bateria) e Joe Lovano (sax tenor e tarogato).
Khun, pianista de sólida formação mista – clássica e jazz- foi considerado na sua juventude um pianista de vanguarda. Chegou a tocar com Coltrane por um período muito breve (cerca de oito semanas) no início da década de 60, tendo sido substituído por McCoy Tyner (outro mestre que Luanda já viu tocar). Depois desse período, nunca mais voltariam a encontrar-se.
Uma música servida por músicos notáveis. E a inclusão de temas que tocou com Coltrane: Central Park West, The Night has a thousand eyes, I want to talk about you ou ainda o eloquente solo de piano em Trance, com que termina a homenagem, revelam claramente a atitude de Steve Khun; de homenagem, não reverência.
Mostly Coltrane é um dos mais belos tributos ao saxofonista John Coltrane.
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